Crítica | Carnival Row – Série termina com intenso debate social em meio à criaturas fantásticas

Ambientes fantásticos são ótimos cenários para críticas sociais ou reflexões históricas. Diversos são os filmes e séries que trabalham com essa fórmula, mas, somente alguns, conseguem inovar, surpreender e prender a atenção do público. Assim é ‘Carnival Row’, série de fantasia vitoriana da Amazon Prime, que chegou ao seu final mantendo a estrutura narrativa original onde, em meio a conflitos sociais, uma série de assassinatos assombram os personagens. 

A segunda e última temporada da produção apresenta duas frentes, expandindo o universo da obra. Com crises políticas e o preconceito escancarado da aristocracia, as criaturas míticas, conhecidas como Critch, são trancadas em Carnival Row pelo parlamento do Burgo. Enfrentando pobreza, violência e doenças, essa parte da população sobrevive com o apoio de Philo (Orlando Bloom) e Vignette (Cara Delevingne), onde cada um luta da sua maneira pelos direitos de seu povo. Enquanto isso, Agreus (David Gyasi) e Imogen (Tamzin Merchant) são capturados por um grupo revolucionário chamado Nova Alvorada, que conquistou parte do território do Pacto, nação inimiga do Burgo. Agora, o casal precisa encarar conflitos armados para fugir dos inimigos.

Após três anos de espera para conhecer o encerramento da história, o público é agraciado com uma produção bem trabalhada, que se atenta aos detalhes da narrativa e, principalmente, à complexidade dos personagens. Philo terminou a temporada anterior se assumindo como mestiço e, agora, precisa encarar preconceitos nunca antes vividos. Além disso, o personagem passa por um conflito de identidade, já que não consegue se identificar como humano, nem como critch. O personagem sente que não se encaixa em nenhum dos mundos, e preocupa-se tanto com rótulos que não consegue se encontrar. E, em meio a jornada de aceitação, Philo precisa encarar os fantasmas do passado, assumindo suas ações violentas contra critch em sua própria terra na época da guerra.

Além da busca de Philo por seu caminho, o que afeta sua relação com Vignette, que não acredita que o amado se aceitou como critch, também temos a evolução de Agreus e Imogen. O casal foi apresentado de forma rasa, com ambições fúteis e egoístas, mas, por baixo do comportamento educado da aristocracia, o espectador descobre o lado podre dos personagens, o que foram capazes de fazer para conquistarem seus objetivos. Isso traz uma complexidade para eles, que passam por uma transformação de caráter e se envolvem em questões mais sérias, que afetam diversas nações. Além disso, a temporada também explora o núcleo narrativo dos coadjuvantes, que possuem problemas pessoais, e vão além das questões sociais do Row.

Outro ponto positivo em relação a série está na representação histórica. O Burgo é baseado na Inglaterra Vitoriana e os critch são os refugiados africanos, obrigados a sair de suas terras devido ao imperialismo europeu em seu continente. Diante de guerras por poder e conquista, esses povos vivem em meio a pobreza, prostituição e crimes, trazendo uma reflexão histórica inserida em um mundo de fantasia. Esse debate é expandido com o Pacto, que precisa deter um movimento revolucionário semelhante ao que ocorreu na Rússia em 1917. Sendo a líder da Nova Alvorada uma critch chamada Leonora (Joanne Whalley), fazendo referência a Lenin, a série apresenta o que, possivelmente, aconteceria caso a revolução alcançasse outras nações.

Através do debate social e na apresentação de conflitos armados, a produção traz uma visão realista sobre a crueldade humana em relação a quem é diferente e, por isso, considera inferior. Essa visão faz oposição com a cultura dos critch, ao apresentar uma nova criatura rara e de aspecto aterrorizante. Esta é considerada bela justamente por ser única, antiga e estar quase extinta, indo além da aparência. E, assim como outros critch, são naturalmente gentis, até terem sua terra destruída.

Carnival Row’ teve um desenvolvimento bem estruturado e personagens bem trabalhados, com profundidade e em constante conflito para encontrarem seu lugar em um mundo tão difícil. Com um final que possui uma mistura de melancolia e esperança, a série traz uma visão realista de processos revolucionários, colonização e conflitos sociais ocorridos ao longo dos séculos XIX e XX. Em meio a um mundo fantástico, possui uma base histórica melhor trabalhada do que muitas produções que têm a intenção de representar a realidade. Olhou de forma inovadora para a Era Vitoriana e prendeu o público até o final. Com uma trama tão bem construída e que não é observada em qualquer obra, o Row vai deixar saudades. 

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