A imortalidade é um assunto complexo e sempre foi debatido pela humanidade, tornando-se um dos principais temas de histórias de ficção científica. Entre as diversas narrativas que trazem o questionamento da imortalidade está ‘Altered Carbon‘, produzida pela Netflix e baseada no livro de homônimo de Richard K. Morgan.
A série se passa no ano de 2384, em um futuro onde as memórias de uma pessoa podem ser transferidas para um dispositivo que é implantado na parte de trás do pescoço. O dispositivo pode ser transferido para novos corpos, chamados de “capas”, mas uma pessoa ainda pode morrer se seu dispositivo for destruído. Apesar do segredo da imortalidade ter sido descoberto, apenas os mais ricos, conhecidos como “Matusas”, possuem meios para manter a vida eterna através de clones e armazenamento remoto de suas consciências em satélites.
Nesse futuro cyberpunk, acompanhamos a jornada de Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman/Will Yun Lee), o último sobrevivente dos Emissários, um grupo rebelde aniquilado numa revolta contra a nova ordem. Na primeira temporada, Kovacs é retirado da prisão pelo Matusa Laurens Bancroft (James Purefoy), para descobrir quem tentou assassiná-lo e, assim, ter uma nova chance de vida. Para isso, ele conta com a ajuda da policial Kristin Ortega (Martha Higareda) e de Poe (Chris Conner), uma inteligência artificial que administra um hotel inspirado em Edgar Allan Poe.
A narrativa policial da primeira temporada foca na jornada de Kovacs em um cenário novo e, aos poucos, apresenta o passado do personagem e, consequentemente, a mitologia da série. Os emissários se mostram contra a imortalidade, pois esta só reforça a desigualdade social nos mundos. Os ricos estavam cada vez mais ricos, automaticamente, dificultando a ascensão social da população mais pobre, mantendo, assim, as estruturas sociais vigentes há séculos.
Além da desigualdade social, a série também abre um debate entre ciência e religião, consciência e alma, apresentando grupos religiosos que recusam ter seu dispositivo implantado em outro corpo, afirmando que o homem deve possuir apenas uma vida. Consequentemente, há um debate sobre a perda da humanidade. Aqueles que já possuem tudo e ainda tem a eternidade para viver tornam-se cada vez mais egoístas, ambiciosos e insensíveis, possuindo fantasias de entretenimento envolvendo violência extrema.
A segunda temporada se passa 30 anos após os acontecimentos da primeira, com novos personagens, um novo planeta, mas retomando o debate sobre imortalidade. Takeshi Kovacs (Anthony Mackie/Will Yun Lee), em meio a busca por seu antigo amor e líder da resistência, Quellcrist Falconer (Renée Elise Goldsberry), se vê envolvido em mais um conflito de Matusas, quando um personagem do seu passado retorna buscando vingança. Em meio as disputas de poder no planeta natal de Kovacs, a fagulha da resistência reacende quando Quell, dada como morta há 300 anos, é vista circulando pelo mundo colonizado.
A desigualdade social e os jogos de poder, que levam ao genocídio de espécies, se mantêm fortes enquanto tema da série e cenário de fundo para a jornada do personagem, mas a mitologia proposta na primeira temporada ganha destaque na segunda, reforçando o debate da imortalidade e o renascimento da resistência de Quell. A diferença está no afastamento do olhar pessoal do protagonista, abrindo espaço para outros personagens e a expansão do universo da narrativa.
Personagens secundários ganharam narrativas próprias como Poe, a inteligência artificial que ajuda Kovacs e que ganhou a simpatia do público. Novos personagens ganham destaque e ajudam o público a entender o passado desse universo, como Dig 301 (Dina Shihabi), a inteligência artificial arqueóloga, que chegou ao planeta com os primeiros humanos. O que o público pode demorar para se acostumar é com a mudança de ator principal. Já era esperado que o personagem ganhasse uma capa nova, mesmo assim, é normal causar um estranhamento no público acostumado com Joel Kinnaman interpretando um Takeshi inflexível e mal humorado. O Takeshi de Anthony Mackie é mais expressivo, até mesmo devido aos acontecimentos no decorrer da temporada.
A segunda temporada de ‘Altered Carbon‘ dividiu os fãs por ter se afastado um pouco da primeira, mas permitiu que o público mergulhasse no universo futurista da série, ao mesmo tempo em que nos faz refletir sobre os caminhos que a humanidade deve ou não tomar em seu futuro. Agora, é aguardar a confirmação da Netflix de uma terceira temporada.