Crítica | O Homem Invisível – A Construção da Loucura de Gênero

Publicado pela primeira vez em 1897 no periódico Pearson’s Weekly, a história de ‘O Homem Invisível’, de autoria de H. G. Wells aterrorizou os leitores da época, e, três adaptações cinematográficas mais tarde, retorna aos cinemas em uma versão mais enxuta e mais intensa da clássica história de terror e ficção científica.

            O principal diferencial da versão de Leigh Whannel é a mudança no foco da história: enquanto a adaptação estrelada por Kevin Bacon, por exemplo, jogava luz no cientista maluco que ficava invisível, nesta nova versão o foco está em Cecilia Kass (Elisabeth Moss, um grande acerto para o papel da protagonista não só pela conexão que o espectador faz com a série ‘O Conto da Aia’, mas também pela atriz convencer no papel de uma mulher comum, gente como a gente, que não consegue entender a obsessão de um homem poderoso por ela). Ao jogar luz sobre a personagem feminina que é o foco de obsessão do personagem-título, toda a construção da história se reconfigura.

            Logo de cara o espectador acompanha Cecilia fugindo de casa na calada da noite – uma mansão enorme, luxuosa e isolada de tudo. A gente fica sem entender o motivo, e este vai sendo construído no primeiro arco do longa, e de maneira tão inteligente que aos poucos o espectador vai gostando da forma como essa história vai sendo contada. Mérito do roteiro do próprio Leigh Whannel, que consegue oferecer originalidade a uma história já muitas vezes adaptada.

            Após conseguir escapar da casa onde morava, Cecilia busca refúgio com amigos, mas não se sente em paz – até o dia que descobre que um homem invisível começa a persegui-la. Apesar da trama aparentemente fácil, a profundidade do terror psicológico causado por esse homem invisível à sua presa é angustiante – e é brilhantemente interpretado por Elisabeth Moss. Numa crescente constante, o suspense rapidamente escala ao nível do pânico, pois Cecilia Kass sente-se constantemente vigiada, e a paranoia fica palpável para o espectador.

            Mesmo para quem não leu o livro ou assistiu às versões anteriores, é fácil entender que uma coisa é certa de acontecer nessa história: eventualmente, quando Cecília sente a necessidade de contar a alguém que está sendo perseguida por uma criatura invisível, rapidamente as pessoas a seu redor a declaram como louca e a internam em um hospício. Embora o longa de Leigh Whannel construa melhor essa parte da história, de maneira menos impositiva, não passa despercebido à espectadora mulher o fato de, mesmo considerando que a trama foi escrita no final do século XIX, ainda hoje as mulheres são declaradas mentalmente incapazes quando alegam estarem sendo perseguidas pelo ex. Tá aí as constantes taxas de feminicídio que não nos deixa mentir.

            Portanto, com um tema extremamente atual – o assédio do ex, o feminicídio, a construção da loucura de gênero marcadamente feminino pela versão de mundo construída pelos homens – o novo ‘O Homem Invisível’ é um ótimo suspense psicológico que, tão real, nem parece ficção científica. Vale a ida ao cinema, especialmente com as amigas.

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