Crítica | Os Miseráveis – Clássico Repaginado Mais Atual Que Nunca

O clássico de Victor Hugo, ‘Os Miseráveis’, conta a história do levante do povo francês contra a opressão policial francesa, que impunha impostos e regras cada vez mais rígidas à população. Publicado em 1862, a história se tornou um marco na identidade e na cultura da França, e seus personagens populares tornaram-se símbolo de luta através dos séculos.

            Em ‘Os Miseráveis’, filme de 2019 dirigido por Ladj Ly, a essência da trama de Victor Hugo está lá, porém, a história possui elementos mais atuais, e, portanto, se torna totalmente diferente, ainda que tenha o mesmo sentimento. É que no longa – que participou de sessão de gala durante o Festival do Rio de 2019, com presença do elenco (que nós da Cabine Secreta entrevistamos) o embate reside do drama da imigração na Europa atual, e as consequências que essa onda de novos moradores tem refletido na vida dos cidadãos nacionais.

            Tendo a França multicultural como cenário, a história começa com a chegada de Stéphane (Damien Bonnard), um policial novo no efetivo local. Sob a orientação dos oficiais Gwada (o gatíssimo Djibril Zonga) e Chris (Alexis Manetti), Stéphane rapidamente entende as divisões em guetos da cidade – entre negros, muçulmanos, ciganos, indianos e outras etnias – e, com a conivência da milícia policial encabeçada pelos dois, esses grupos são controlados por lideranças criminosas. Um dia, uma determinada situação sai de controle, e Gwada acaba atirando em um menino. Para piorar, um drone filmou tudo. Desesperado para manter sua ficha limpa, Gwada e Chris percorrem os bairros tentando coibir os grupos atrás da filmagem do drone, e, aos poucos, Stéphane começa não só a entender como as coisas funcionam por ali, mas também que não quer fazer parte desse esquema escuso.

            O ritmo do longa é um pouco lento no primeiro terço, dando a sensação de que estamos apenas vendo o passar da rotina dos policiais. Porém, não se enganem: quando o espectador menos espera, há uma significativa reviravolta na trama, que conduz para o arco final de ‘Os Miseráveis’ que é catártico e de tirar o fôlego. A forma com que Ladj Ly capturou as cenas de seu filme o aproxima do documentário jornalístico e dá a sensação de familiaridade ao espectador, reforçado pelas atuações espontâneas e naturais de um elenco em sintonia com a trama.

            ‘Os Miseráveis’ é um filme atual e inovador, trazendo uma releitura ideológica de um clássico mais urgente do que nunca. Através da arte, Ladj Ly debate o dramático destino de milhares de imigrantes que diariamente buscam refúgio na Europa e, uma vez no país estrangeiro, encontram todo tipo de barreira e de controle proveniente do país elegido para sua moradia. É um filme que é um grito de resistência contra a constante opressão e o racismo velado e escancarado pelos cidadãos franceses. Por tudo isso, merece todas as indicações a prêmios que está recebendo mundo afora.

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