Agatha Christie é a principal referência para filmes de suspense em que se tem muitos personagens, muitos suspeitos, um crime simples e uma grande revelação final. Não é à toa que ela é chamada de rainha do crime, afinal, dezenas de seus livros ganharam uma adaptação cinematográfica direta ou indiretamente, e, além disso, influenciou muitas outras produções do gênero.
Dito isto, ‘Entre Facas e Segredos’ faz uma incrível homenagem à Agatha Christie ao trazer todos os principais elementos enumerados por ela para a construção de uma boa história linear de suspense. No longa, temos nove personagens suspeitos de um possível assassinato e um crime: a morte do patriarca da família Thrombey, Harlan Thrombey (Christopher Plummer, em participação especial). Uma vez que a possibilidade da herança é motivo suficiente para gerar a motivação do crime, o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig, todo milimetricamente caricato, com seu sotaque carregado, pois afinal, é sempre necessário um detetive francês).
A construção dos personagens e a apresentação deles se dá de forma gradativa e contínua, o que ajuda o público a não sentir as 2h10 de longa-metragem. Toda a trama vai se enroscando de maneira espiralada, afunilando onde estão os suspeitos e soltando a ponta onde quer desviar a atenção do espectador. Por construir uma trama tão bem amarradinha, o diretor, roteirista e produtor Rian Johnson merece aplausos. Isso não é fácil. Os destaques são Toni Collette, insuportável no papel da ex-nora sanguessuga da família rica, e Chris Evans, todo embonecado como um filhinho de papai.
Todo colorido e com muito café e livros, ‘Entre Facas e Segredos’ faz uso da ironia até mesmo na hora da grande revelação final, arrancando boas risadas. Embora seja um ótimo filme de suspense de entretenimento, em seu pano de fundo Rian Johnson conduz nosso olhar a pensar as questões de racismo e de xenofobia, tão presentes na cultura ocidental norte-americana. A contradição reside, infelizmente, em por um lado esses pontos entrarem pro debate, e, por outro, o filme ir contra o que aponta, uma vez que logo após a morte do patriarca, um detetive negro aparece na trama para investigar o caso; ele entrevista todos os personagens, levanta teorias e, em vez de chefiar a investigação até o final, o filme o joga para o escanteio para dar espaço para o investigador particular interpretado por Daniel Craig, que passa a conduzir a investigação e a dar ordens para os oficiais. Complicado e injustificável, né?