Crítica | O filme se chama ‘Aladdin’, mas deveria se chamar ‘Jasmine’

            O mais novo live action da Dona Disney chega agora aos cinemas e é a melhor adaptação desde que a empresa do Mickey Mouse resolveu repaginar suas histórias clássicas. Em comparação com ‘Cinderella’, ‘Mogli’, ‘A Bela e a Fera’ e ‘Dumbo’, este é, sem dúvidas, o mais bem-acabado e o mais urgente a ser refeito. Claro que quando o projeto foi anunciado muitas pessoas se perguntaram se havia necessidade disso (eu, inclusive), porém, depois que vimos a essa nova adaptação, fica claro não só a necessidade de uma nova versão da história, mas ela também consegue nos fazer perguntarmos como não conseguimos enxergar essa necessidade tão evidente antes.

            Vamos lá. A história de ‘Aladdin’, nas duas versões, é sobre um rapaz pobre, que vive nas ruas cometendo pequenos delitos, com um espírito meio Robin Hood, que um dia conhece uma moça disfarçada de plebeia, cujo sonho era ser livre e dar uns rolês mundo afora. Os dois se apaixonam, ele cai numa enrascada, descobre a lâmpada, faz três pedidos pro gênio e o objetivo do jovem agora é impressionar a moça, que ele descobre ser a princesa do palácio. Enquanto o filme todo gira em torno de como Aladdin (Mena Massoud) se transforma em Príncipe Ali para conquistar Jasmine e no final eles se casam, a versão em desenho se esquece de voltar a um ponto muito importante: e a Jasmine? O que ela fez com o sonho de dar a volta ao mundo?

            E é exatamente isso que o filme de 2019 traz de diferente.

            O princípio da história está lá, porém, o foco dessa vez está em Jasmine (Naomi Scott). Ao declinar os pedidos de casamento, ela mostra seu profundo descontentamento com o que está sendo forçada a passar, e fica evidente que há uma lei retrógrada que é a razão pela qual o Sultão (Navid Negahban), pai de Jasmine, precisa arranjar um marido para ocupar o seu lugar. O pai não a ouve sobre isso, embora ela esteja o tempo todo sinalizando que tem uma opinião para dar sobre este e outros assuntos. Enquanto todos lhe dizem “é melhor ser vista do que ser ouvida”, Jasmine diz “eu nasci para ser algo mais do que casar com um príncipe bonito”.

Mesmo quando Aladdin tenta cortejá-la, Jasmine é reticente, porque não lhe interessa achar o marido ideal, mas sim ter a liberdade de exercer a própria vontade – e casar não é uma prioridade nessa lista. Assim, quando o filme chega no terceiro arco e Jaffar (Marwan Kenzari) usa um de seus desejos para tomar o poder de Agrabah, Jasmine, o Sultão e Dalia (Nasim Pedrad), a dama de companhia, se tornam prisioneiros. Hakim (Numan Acar), o chefe de segurança, fica em dúvida sobre quem seguir, e, ao conduzir Jasmine para a prisão, ela finalmente consegue libertar sua voz.

Nesse momento, entra um número musical que, de cara, a gente acha que não tem a menor necessidade. Mas se você parar para ouvir a música, ler a letra e prestar atenção no que ela está dizendo… ah, é de ficar arrepiado! Jasmine está literalmente cantando sobre ter uma voz própria, que ela não vai mais baixar a cabeça, que ela quer e precisa ser ouvida, que ela não vai mais aceitar que não a deixem falar… Sério, essa cena tem tanto poder, que faz qualquer mulher chorar. Sim, porque essa nova versão de ‘Aladdin’ é para as mulheres, é a história da Jasmine que não foi contada.

Depois dessa cena, Hakim volta a obedecer ao antigo Sultão e liberta todo mundo. Acontece o embate final e, depois que tudo se resolve, o Sultão se senta com a filha na fonte e lhe diz que ele deveria tê-la ouvido antes, que ela cresceu e se tornou uma mulher forte capaz de governar Agrabah, e que finalmente ele entendeu que ela nunca precisou casar para que o marido se tornasse sultão, mas sim que ela mesma deveria se tornar Sultana.

Essa não é só a principal diferença do novo filme, mas é também o ponto principal, a verdadeira mensagem que o longa de 2019 quer passar. Toda a história se encaminha para esse ponto, e prova disso é que Jasmine canta essa música sozinha, sem grandes efeitos especiais para distrair e sem acompanhamento de outras vozes: é apenas Naomi Scott gritando, de frente para o espectador, nos olhando nos olhos e passando a mensagem que a Disney quer que a nova geração de meninas ouçam: vocês têm voz, as mulheres têm voz; se preciso, lute para ser ouvida, esse é o seu direito, essa é a sua liberdade.

Agora imaginem toda uma nova geração de meninas e mulheres recebendo essa mensagem e crescendo com isso na cabeça, que coisa linda que vai ser!

E essa mensagem se reforça quando consideramos que a história original se passa nos arredores do Oriente Médio, mais especificamente onde antes era o reino da Pérsia (hoje, Irã), situado entre a Arábia Saudita e a Índia, uma região de maioria islâmica, onde as mulheres não têm voz e a luta pela igualdade é ainda mais profunda. O resgate da origem dessa história também fica evidente no filme, porque apesar de ser falado em inglês, a nova versão traz as cores e a tapeçaria persa, misturada com a arquitetura do Taj Mahal e as danças indianas.

Numa explosão de cores que enche os olhos do espectador, a Disney leva a história de ‘Aladdin’ de volta ao seu povo de origem e amplifica a voz das mulheres. E esse é realmente um dos nossos três desejos. Obrigada, Disney!

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